Notícias

Enaltecendo a cultura das periferias, Pega no Samba levantou o Sambão do Povo

Publicada em 11/02/2023, às 02h00

Por Brunella França, com edição de Matheus Thebaldi


Prefeitura de Vitória
Escola Pega no Samba no desfile de Vitória
Prefeitura de Vitória
Escola Pega no Samba no desfile de Vitória

"Tudo que nóis tem é nóis". O verso que ganhou fama na composição de Emicida foi cantado a plenos pulmões no Sambão do Povo pelo Pega no Samba, terceira escola de samba a desfilar já na madrugada de sábado (11), no Grupo de Acesso A do Carnaval de Vitória.

A "azul, vermelho e branco da Consolação" levou à passarela do samba todo o orgulho de seu chão, da cultura de suas comunidades, São Benedito, Jaburu, Da Penha, Floresta, Itararé, Bonfim, Engenharia e Consolação, e a diversidade de sua gente, resgatando as raízes de sua história, desde o terreiro de Mãe Maria.

"Era só mais um cria", desfile assinado pela carnavalesca Thais de Sá, passou batendo forte no peito dos foliões, misturando a cultura do samba com o rap e o funk. E se o samba é o Brasil que deu certo, o morro, quando desce, é carnaval! Em sua estreia assinando sozinha um desfile no Carnaval de Vitória, a carnavalesca prometeu um desfile avassalador e cumpriu!

"A gente vem com tudo, é o Pega! Muito trabalho, muita emoção, é um sonho que todo mundo sonhou junto e vem realizar junto. Chegamos chegando, isso é a nossa escola, a nossa comunidade", afirmou Thais. E, como dizia o enredo da escola: "quando o Pega passa, eu não suporto. Transformamos tudo que sofremos em BPM... batida por minuto, nisso tudo aqui que você ouve hoje e hoje toco para o mundo inteiro ouvir".

Em contraste com a estreia da carnavalesca, o senhor Edson Amancio, 69 anos, hoje integrante da velha guarda, está no Pega desde 1966, quando ainda era a batucada do Amigos de Gurigica. Ele não escondeu o orgulho de sua história. "Somos uma família e amor vem da família. É o nosso reduto, e o nosso lugar, o samba era e é a nossa vida. Eu me sinto muito honrado de estar aqui, é uma terapia", afirmou.

Batida do Lé

Ícone das comunidades, o tamborzão foi o elemento cenográfico escolhido pelo coreógrafo Jadson Titanium para compor a comissão de frente do Pega, que levou os orixás para um baile funk. O "cria", personagem principal do enredo, apresentou a escola acompanhado de Iemanjá, Iansã, Oxum, Yewá, Nanã, Obá, Ogum, Oxumaré, Exu, Oxalá, Oxossi, Xangô e Omolu . Na marcação do "tá tum dá", teve riscado, passinho, bailado, e até discurso ritmado.

Para dar segmento ao cortejo do Pega, a primeira ala "Memória de terreiro - iniciação", remetia a um ritual de Iaôs, destacando a relação intrínseca da cultura e das religiões afro-brasileiras com o carnaval. As baianas da escola vieram como "Mães da favela", territórios onde a maior parte das famílias é chefiada e cuidada por mulheres. As baianas ressaltaram as mulheres como as protetoras dos quilombos, dos terreiros, do samba, e das crias.

A primeira alegoria da escola, "Favela: a cultura da ginga", trazida pela borboleta e pelo búfalo de Iansã, representados pelas destaques Francielle Santos e Bárbara Ribeiro, era uma verdadeira ode às favelas e periferias do Brasil, reforçando a mensagem da riqueza cultural nascida em becos e vielas, capazes de produzir o maior espetáculo da terra, que é o carnaval das escolas de samba.

Personagens como a criança que corre atrás de pipa, jogador de futebol, lavadeira, rainha de bateria, aderecista, barbeiro, mecânico, tiktoker estavam na composição alegórica, que trazia ainda uma casa de benzedeira, um boteco e fazia referência ao sol na laje.

O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Max Dutra e Kamilly Silva, homenageava "o povo da rua encantada". Ele representando Zé Pilintra, irreverente, debochado, cheio de jogo de cintura. Ela, de Maria Navalha ou talvez de Maria Tomba-Homem, personagem histórica da capital capixaba e eternizada pelo Pega em seu samba enredo "Tipos populares de Vitória", de 1986.

150 BPM

Na batida acelerada do tambor, o segundo setor da escola trouxe os corres do cotidiano, a vida e as histórias de quem mora nas periferias. "O asfalto, a mesmice, a ordem e os olhares" lembrou o ato dos motoristas travarem as portas dos veículos ao perceberem a aproximação de uma pessoa negra, marcando a separação do asfalto e da favela. "Teatralizada, no contra-ataque da guerra, arte!", a ala exaltava a pulsação criativa, alegre e cheia de ritmo de quem se reinventa, todos os dias, nas comunidades, criando ritmos, grafite, passinhos, rimas e muito mais.

Especialistas em riscar o chão da passarela do samba, os passistas do Pega representaram o baile de favela! Com muita malemolência e gingado, com direito a passinhos na avenida, eles abriram passagem para a Locomotiva! A bateria do Pega, com a fantasia "BPM - Batida por Minuto: ritmo".

À frente dos ritmistas, a rainha Eduarda Lima trajava a fantasia "BPM - Batida por minuto: coração". Já a madrinha Rana Loureiro vestia "BPM - Batida por minuto: Tempo". Comandados pelos mestres Alcino Junior e Jorge Borges, a marcação forte da Locomotiva empolgou os foliões em todos os setores da avenida.

A segunda alegoria, "Batida da noite X Batida do dia", enaltecia os bailes e as inovações rítmicas criadas dentro das comunidades, mas falando também do dia a dia, do batente, do ganha pão, e as vozes de lideranças que surgem para "botar a boca no mundo" pelo bem das favelas.

Prefeitura de Vitória
Escola Pega no Samba no desfile de Vitória
Prefeitura de Vitória
Escola Pega no Samba no desfile de Vitória

"Nóis" é Brasil real

O país dos privilégios, ou o país oficial, como escreveu Machado de Assis, se choca com a genialidade do país real, o das ruas e das comunidades, produtor de cultura, berço da criatividade. Abrindo o setor, "A feira - os donos da rua, do trabalho ao ensaio geral" vinha trazendo um pouco da alma encantadora das ruas, que fervilham de gente, de histórias, de sons e de vidas. "O corre - é a necessidade, o jeito de usar toda a criatividade" misturava os entregadores de aplicativos e os tradicionais vendedores de algodão doce.

Em "Construção - nós que construímos esse país", a escola lembrou que não há obra feita no Brasil oficial sem que o Brasil real esteja presente. "Ateliê de Ideias - economia criativa das periferias" exaltava as iniciativas de gestão e de negócios surgidas dentro dos territórios periféricos, como o Banco do Bem. "Estilo exportar - o Brazil não conhece o Brasil" reforçava a ideia de que os maiores símbolos do país conhecidos mundo afora têm raízes periféricas.

Quando o morro desce, é carnaval!

Para não deixar dúvidas: o carnaval é cultura das periferias. Os desfiles das escolas de samba só existem porque existem as comunidades e todo o trabalho feito por milhares de mãos, nos mais diversos setores, ao longo do ano. E o quarto setor da escola enalteceu todo esse trabalho que existe em torno do carnaval em uma comunidade. Na ala "Saudade - reverência aos antigos carnavais", os foliões portavam um pequeno estandarte com a imagem de Maria Tomba Homem.

Casal de mestre-sala e porta-bandeira mirim, Erick de Jesus e Kemelly Eduarda lembravam que o samba sempre renasce e que o pavilhão da escola estará sempre muito bem reverenciado na avenida.

A vestimenta da velha guarda do Pega afirmava "A Favela venceu", lembrando que a periferia vence quando vive o suficiente para se tornar guardião ou guardiã do samba, de sua própria cultura.

Em mais uma ode a si e a sua própria história, o segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Matheus Moraes e Juliana Souza estavam vestidos com as cores do pavilhão que defenderam na avenida, com fantasias cheias de referências a Ogum, que no sincretismo religioso remete a São Jorge, que seria o santo protetor das escolas de samba.

Com os maquinistas Andreina Pereira e Jordana Martins à frente, a última alegoria da escola "O morro no Sambão dos crias" homenageou mestre João Bernardes, histórico mestre de bateria à frente da Locomotiva, que esteve presente como destaque principal do carro.

Em seu desfile de tantos crias, a escola encerrou seu desfile com a ala da comunidade trajada de garis, seguidos pelo "Amigos do Pega".

Prefeitura de Vitória
Escola Pega no Samba no desfile de Vitória
Prefeitura de Vitória
Escola Pega no Samba no desfile de Vitória

Voltar ao topo da página