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Cozinha Prática: acolhidos em abrigos de Vitória que serão domiciliados aprendem a cozinhar

Publicada em 17/12/2024, às 16h00 | Atualizada em 17/12/2024, às 18h18

Por Rosa Blackman (rosa.adrianaeira$4h064+pref.vitoria.es.gov.br), com edição de Andreza Lopes


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Cozinha Prática: acolhidos em abrigos de Vitória que serão domiciliados aprendem a cozinhar
Curso Cozinha Prática. (ampliar)

O que tem para comer? Pergunta feita pela grande maioria absoluta dos homens às mulheres quando chegam em casa. Se depender do esforço, dedicação e conhecimento adquirido pelos 10 munícipes usuários dos abrigos para pessoas em situação de rua de Vitória, que serão domiciliados, essa pergunta está com os dias contados. É que o grupo está participando do projeto Cozinha Prática, para se tornarem independentes na produção das suas refeições assim que conquistarem a tão sonhada moradia.

Eles estão em processo de sair do abrigamento e passarem a ser domiciliados. Por isso, saber cozinha é uma necessidade básica, urgente e necessária a todos. Pensando nisso, foi idealizado o Projeto Cozinha Prática uma ação desenvolvida pela Secretaria de Assistência Social de Vitória (Semas), por meio da Gerência de Proteção Especial de Alta Complexidade (GAC) em parceria com a Gerência de Segurança Alimentar e Nutricional (GSAN). Na próxima sexta-feira (20), no Alojamento de Famílias, em São Cristóvão, a segunda turma da oficina entrará em ação.

De acordo com a gerente da GAC, Anacyrema Silva, após um levantamento entre as pessoas que saíam do abrigamento foi constatado que a maioria deles voltava a acionar o serviço para fazer refeições. "Eles não sabiam cozinhar e, consequentemente, usavam os benefícios para compra de alimentos processados ou prato pronto que não garantia a alimentação saudável e, ainda, consumia grande parte da renda", justificou Anacyrema.

A nutricionista, Giselle Machado Souza, explicou que a proposta é trazer autonomia e independência, além de criar laços com o território onde passarão a residir. "Eles estavam acostumados a receber a comida pronta fossem elas ofertadas nos abrigos institucionais ou oferecida nas ruas. Aqui, é despertado o prazer de cozinhar para si, para familiares e amigos reforçando os elos, fortalecendo vínculos. Além disso nos deparamos com alguns usuários, que por não saberem cozinhar acabaram voltado para situação de rua e buscar os acolhimentos", comentou Giselle.

A oficina aconteceu na manhã desta segunda-feira (16), no Alojamento de Famílias, em São Cristóvão. Ao final da oficina eles ainda receberam uma cartilha com receitas e orientações sobre armazenamento dos alimentos.

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Francisco no curso Cozinha Prática. (ampliar)

Durante a oficina, Mateus de Jesus comentou que enquanto ajudava no preparo da comida vieram recordações da infância, lembranças dos amigos que já teve e dos tempos em que vivia na roça na Bahia. Vivendo como pessoa em situação de rua desde os dez anos de idade, hoje, aos 60 anos, Mateus disse que a oficina foi muito bom para a mente ficar em paz.

Enquanto esperava o cozimento do frango com quiabo, uma das receitas que constam na cartilha, Mateus fez uma revelação: "Eu sei cozinhar, mas tem anos que não coloco a mão na massa. Aprendi a cozinhar pequeno. Já trabalhei com isso. Mais com os altos e baixos da vida a gente aprende e desaprende", falou ele.

Atualmente, Mateus passa as noites na Hospedagem Noturna e, no Centro Pop, começou a estudar na turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), onde segundo ele começaram as mudanças efetivas na sua vida. Ao ser questionado quais as mudanças mais relevantes, ele disse: "Mudei em tudo até na forma de falar. Meus amigos têm notado isso e falam sempre quando me veem. Isso é bom e serve como incentivo para eu seguir neste caminho", afirmou ele.

Outro participante do dia de aprendizagem culinária era Antônio Lucas, 62 anos. Ele fez questão de ressaltar a importância daquele momento na sua vida. "Esta é uma oportunidade que estamos tendo de voltar para uma vida normal, boa e tranquila", disse ele.

Antônio contou que há, pelo menos, 20 anos não coloca as mãos no processo de produção da própria comida, apesar de já ter trabalhado como ajudante de cozinha. Ele contou que foi encaminhado para a oficina pela equipe do Abrigo Institucional de Adultos e Famílias, mais conhecido como Abrigo 1, e que esta foi a única oportunidade real que teve na vida para deixar a condição de pessoa em situação de rua.

"Estou me apegando a tudo que estão me ofertando. Quero voltar a ter alegrias na vida. Quero viver melhor. Quero poder honrar meus compromissos. Quero ter uma vida normal, como cidadão. Eu tenho medo das ruas. Eu não sei pedi esmolas nem mesmo sair pedindo comida. Estou agarrando todas as oportunidades para superar esta fase. Quero viver e progredir", disse ele.

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Equipe de nutricionistas, usuários do Abrigo e equipe do Alojamento. (ampliar)

Sentimental, Antônio disse que já está com idade avançada, mas que agora quer aproveitar da melhor forma. "Esta é a oportunidade de eu ter uma vida nova. Quero aproveitar o que me resta", falou. O colega de panela Francisco, 62 anos, disse que, mesmo achando o Abrigo 1 um local maravilhoso para quem está em situação de rua vai ser muito bom ter sua própria casa.

Mesmo sem pedir para que falasse sobre o que o levou para as ruas, Francisco comentou. "Há quatro anos ainda morava com os meus pais, minha família. Depois que eles morrem tivemos que nos virar. E fui para as ruas. A bebida foi fazendo eu perder tudo, foi tomando tudo que eu tinha. Eu só tenho a agradecer a Abordagem Social ter me encontrado e, me encaminhado ao Abrigo 1. Primeiro fiquei na Hospedagem Noturna e, agora, no Abrigo 1", disse ele.

De olho no processo de cozimento, Francisco comentou que a memória estava trazendo lembranças dos pais (falecidos há cerca de quatro anos), da mãe preparando a comida e até de quando foi mordido por um cachorro ao oferecer as mãos sujas de tempero de bife de fígado para que fossem lambidas. "Eu achei que estava agradando ele (o cachorro). Achei que ele fosse só lamber, porque estava muito gostoso. Mas, não. Ele me mordeu. Doeu tanto que eu nem quis mais comer o bife", falou ele dando gargalhadas.

Os alimentos preparados pelo grupo foi consumido por eles e servido para as nutricionistas Débora Valentim Nutricionista, do Banco de Alimentos, Jéssica estagiária do banco de alimentos
que acompanharam o processo de ensino e os trabalhadores do Alojamento de Famílias. No cardápio, arroz, frango com quiabo, polenta e, também, macarrão (porque um deles não consumia arroz).

A secretária de Assistência Social, Cintya Schulz, frisou que cada depoimento reforça o papel e a importância da política pública da Assistência Social para garantir o acesso a direitos, para condução no processo de retomada da autonomia, do convívio social e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. "Garantia a segurança alimentar e nutricional das famílias é o primeiro passo para o alcance da autonomia", disse ela.


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