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Casa Rosa: acolhimento e cuidado em mais de 11 mil atendimentos durante três anos de atividades
Publicada em 15/01/2025, às 14h35 | Atualizada em 15/01/2025, às 14h39
Por Giovana Rebuli Santos (girsantoseira$4h064+pref.vitoria.es.gov.br), com edição de Andreza Lopes
A Casa Rosa completou três anos de funcionamento em 2024. Nesse período, mais de 11 mil atendimentos foram realizados, transformando a vida de centenas de pessoas por meio do acolhimento, do cuidado, de ações baseadas na ética e na coragem.
Um dos diferenciais do serviço é o atendimento realizado por uma equipe multiprofissional, o que permite a criação de um plano de cuidados integral, com articulações em outros equipamentos de saúde ou de outros setores, quando necessário, como educação, serviço social, dentre outros.
A equipe da Casa Rosa também realiza palestras para profissionais de diversas Secretarias da Prefeitura de Vitória. Em 2024, os profissionais do serviço realizaram palestras em escolas, Unidades Básicas de Saúde, Centros de Referência da Assistência Social (Cras e Creas), bem como também em organizações da sociedade civil como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), a Associação Amigos dos Autistas do Espírito Santo (Amaes), abordando diversos temas como violência doméstica, violência sexual, bullying, sexualidade na adolescência, ou capacitismo contra pessoas com deficiência, por exemplo.
Para a diretora da Casa Rosa, Clícia Dora Rocha, o serviço evoluiu muito em três anos, graças ao investimento na ambiência do espaço, na ampliação da equipe multiprofissional e na localização com fácil acesso aos munícipes. "Eu vejo a Casa Rosa como uma flor que desabrochou, porque em três anos nossa produção mais que dobrou, e percebemos o reconhecimento do nosso trabalho através dos relatos que ouvimos da rede intersetorial e dos nossos usuários. Saber que estamos contribuindo para a recuperação e empoderamento de tantas pessoas, visando a superação do trauma, é muito gratificante para todos nós", afirma.
A psicóloga Simone Altoé está na Casa Rosa há aproximadamente dois anos e conta que, apesar de já ter lidado com situações envolvendo violências em outros equipamentos da Saúde, o trabalho no serviço especializado a fez perceber que não só as vítimas, mas toda a sociedade precisa ficar atenta a alguns sinais de alerta, uma vez que algumas violências são aprendidas e, por isso, se tornam naturalizadas.
"Quando a gente trabalha com mulheres, nós vemos que existe mais de um tipo de violência e que, na violência doméstica ela costuma ir escalonando. Quando a mulher chega aqui ela consegue perceber que sofreu violência física, mas não que já passou por outras violências na relação, principalmente a psicológica. Ela não percebe que houve um escalonamento da violência, que começou, às vezes, controlando o tipo de roupa, a afastando de amigos, da família, do trabalho. Às vezes ela não percebe que xingamentos e humilhações verbais constantes são um tipo de violência. E muitas vezes, a própria sociedade, a família, não percebe a violência psicológica como uma agressão contra a mulher, mesmo provocando adoecimentos como depressão por exemplo", explica Simone.
Fernanda Perozini, enfermeira na Casa Rosa desde 2022, ressalta que o modelo de tratamento e cuidado adotados pelo serviço ajudam a proteger também os trabalhadores. Principalmente pelo tempo que os profissionais possuem para se dedicar a cada paciente e também para se fortalecerem uns com os outros diante dos desafios.
"A violência é uma questão multifatorial que apenas um serviço não vai dar conta. Mas graças ao modelo de trabalho adotado aqui, conseguimos manter nossa sensibilidade aguçada para atendermos as pessoas que nos procuram e não adoecermos com o que vemos e ouvimos. Esse modelo diferenciado de trabalho na Casa Rosa permite, por exemplo, ouvir uma mulher por mais de uma hora que, na faixa etária dos 40 anos, se sentiu ouvida e acolhida pela primeira vez em sua vida aqui, mesmo ela já tendo passado por outros espaços em virtude da violência física. Porque aqui temos tempo para essa escuta mais qualificada que outros espaços, por terem uma quantidade e uma variedade maior de demandas, não conseguem oferecer. A Casa Rosa é um serviço diferenciado e único", destaca Fernanda.
A pediatra Bruna Bressanelli, na Casa Rosa desde 2022, é especialista em adolescentes e confessa que se identificou com o serviço, especialmente com os mais jovens. Ela afirma que, desde que criou o Grupo dos Adolescentes, formado por jovens com idades entre 12 a 15 anos, como um grupo de orientação, viu os pacientes se desenvolverem muito.
"Abordamos assuntos importantes para a saúde dos adolescentes, como autocuidado, Setembro Amarelo, Outubro Rosa, Infecções Sexualmente Transmissíveis, porque essa geração praticamente nem ouviu falar de HIV, por exemplo. E hoje, eles já conseguem nomear seus sentimentos, suas frustrações. E até nós, que somos facilitadoras do Grupo, nos percebemos usando técnicas em nossa rotina de trabalho que compartilhamos no Grupo, por exemplo. Nosso Grupo de Adolescentes é maravilhoso", declara Bruna.
A médica também conta que muitas pessoas afirmam que acabam buscando primeiro a Casa Rosa no lugar das Unidades Básicas de Saúde em casos de violência física com receio de serem reconhecidas e expostas nos seus territórios e comunidades.
Para a terapeuta ocupacional Denise Krebel, que também está na Casa Rosa há aproximadamente dois anos, o trabalho no serviço especializado a fez mudar seu olhar sobre a importância que a infância deve ocupar em toda a sociedade, de maneira que todos passem a enxergar todas as crianças como entes de suas próprias famílias, que precisam ser protegidas e acolhidas por todos, não apenas pela mãe da criança.
"Estamos o tempo todo estudando e aprendendo porque cada caso é diferente. A problemática é a mesma: a violência, mas cada pessoa traz uma história e é nossa empatia que vai nos envolver e fazer buscar todas as formas de ajudar aquela pessoa. Porque o paciente não precisa de alguém que tenha pena dele, mas de alguém que vai acolher essa fragilidade naquele momento em que ele se encontra, devido à situação de violência, e vai ajudá-lo a enfrentar, ressignificar esse sofrimento, ressignificar essa dor para seguir em frente, fortalecido", disse.
Perfil da pessoa violenta
Os profissionais explicam que o companheiro abusador costuma ter um perfil: normalmente ele é manipulador e controlador, busca manter a companheira longe dos amigos e da família para que ela não conte as situações de abuso e assim não seja alertada.
Além disso, na maioria dos casos, quando a mulher está isolada, o abusador costuma depreciar o papel e valor dessa companheira dentro da relação e da família, a agride com xingamentos e, se a violência evoluir, ele pode dar empurrões, puxões de cabelo, agressões físicas cada vez maiores e, em alguns casos, pode chegar até a matar a mulher.
A família e os amigos podem fortalecer a mulher para que ela se imponha, tornando a relação mais equilibrada, forçando o companheiro a sair da relação ou a chegar em um acordo.
Também é preciso cuidado para não aceitar a violência física como linguagem de afeto. "Infelizmente, já ouvimos de mulheres vítimas de violência que apanhavam do companheiro 'pra aprender', numa alusão ao que aprenderam com a família inicial na infância, quando aprenderam que os pais 'batiam pra ensinar'. Isso se transforma em um ciclo de violência do qual fica muito difícil sair", explica Denise Krebel.
Superação
A equipe da Casa Rosa destaca que, para a pessoa vítima de violência, não é simples interromper essa situação, principalmente se ela sofreu diversas violências por muito tempo, como é o caso de algumas mulheres que chegam ao serviço com histórias que remontam violências desde a infância ou até mesmo por várias gerações, onde a avó e a mãe sofriam violência doméstica e agora essas mulheres também sofrem com seus companheiros.
Porém, as histórias de superação mantêm todos motivados e preparados, celebrando cada vitória, como aprender a identificar uma violência ou a se reconhecer como pessoa digna de afeto e respeito. As mudanças de compreensão sobre os relacionamentos podem evitar que essas pessoas se coloquem em situações de risco novamente e possam, assim continuar seus caminhos com dignidade e em busca da felicidade que todas as pessoas merecem.